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Disciplina de verão da UnB discute a saúde das populações do campo, da floresta e das águas

Por Tamires Marinho 

Pela primeira vez um curso de pós-graduação da UnB oferece uma disciplina que aborda o conhecimento popular como foco central das discussões e abre espaço para que a ecologia de saberes seja protagonista no processo de ensino-aprendizagem. A ideia foi proposta pelo Observatório da Política de Saúde Integral das populações do Campo, da Floresta e das Aguas (OBTEIA), vinculado ao Núcleo de Estudos em Saúde Pública do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares da Universidade de Brasília (NESP/CEAM/UnB), junto ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências da Saúde (PPGSC/FS/UnB).

A disciplina está estruturada na análise dos resultados das pesquisas do OBTEIA contidas no livro Campo, Floresta e Águas - Práticas e Saberes em Saúde”, lançado em outubro de 2017 pela Editora UnB, e é totalmente baseada em metodologias ativas de ensino-aprendizagem com o mínimo de aula expositiva, priorizando abordagens que favoreçam um espaço plural de debate como rodas de conversa e estudos de caso. Tem como objetivo analisar conceitos e métodos de pesquisa relacionadas ao tema da Saúde das populações do Campo Floresta e das Águas e estudar o impacto do modelo de desenvolvimento neoextrativista na saúde dessas populações e as múltiplas alternativas existentes, além de discutir o processo de implantação da Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo Floresta e das Águas (PNSICFA) a partir de múltiplos olhares e vozes de territórios.

De acordo com o coordenador da disciplina, professor Fernando Carneiro, a ciência tem muito a aprender com os povos tradicionais que mesmo sem ter um sistema de saúde sempre cuidou de sua comunidade na floresta usando recursos da própria natureza. “Se você soma o conhecimento indígena de fitoterapia e dialoga com o farmacêutico voltado pra pesquisas nesse campo, existe um potencial extraordinário desses saberes se complementarem. Essa é a ideia da ecologia de saberes e nós já praticamos essa metodologia no OBTEIA e nas nossas pesquisas e, agora, temos a oportunidade de fazer isso de forma inédita em uma disciplina de pós-graduação, pois não basta ensinar ecologia de saberes, é preciso promover uma práxis desta”.

A disciplina de verão está sendo ofertada na modalidade optativa, mas há um interesse dos professores em torná-la permanente já no próximo semestre.

Pedagogia do exemplo

Considerando a ecologia dos saberes como um conceito baseado na ideia de que o saber popular em diálogo com o saber científico é capaz de construir um outro saber que pode ser até mais efetivo para mudar realidades, o corpo docente da disciplina traz na sua equipe uma professora cuja formação não foi forjada nos bancos universitários, fundamentada exclusivamente em teorias, mas sim em espaços onde a luta diária pela garantia dos seus direitos tanto como mulher, pescadora, negra,  quilombola, como pesquisadora popular do OBTEIA, lhe concedeu experiência suficiente para falar sobre uma realidade que ela vive e conhece melhor do que ninguém.

Eliete Paraguassu assumiu a função de professora com a missão de preencher uma lacuna que para ela sempre dificultou a relação entre os profissionais de saúde e a sua comunidade. “Nós nunca fomos reconhecidos como professores que de fato somos, portadores do saber que adquirimos com nossas vivências e essa disciplina é uma grande oportunidade para falarmos sobre isso, faz com que a gente se sinta contemplado para contar o que a gente vive, pois para nós é muito importante esse ouvir. A gente poder falar para as pessoas que trabalham no dia a dia com a saúde da nossa comunidade, que são os profissionais de saúde, que nunca nos ouviram e a gente sabe que as coisas acontecem bem quando nos ouvem”.

Eliete acredita que essa iniciativa abrirá outras portas para que os povos tradicionais estejam cada vez mais presentes e atuantes dentro das universidades promovendo essa troca de conhecimento tão importante para ambos os lados. “As comunidades precisam estar mais nas universidades e em todos os espaços que a sociedade se forma para trabalhar com a gente, pois quando a academia nos ouve ela tem a oportunidade de desenvolver um olhar diferenciado para nossa realidade. A gente partilha o que tem e o que sabe com a esperança de que lá na frente a gente vai ser atendido melhor, vai ter um futuro melhor”.

Para Fernando esse é o principal ponto que torna essa disciplina inédita na academia. “A gente não está aqui ensinando ecologia dos saberes, nós estamos praticando e isso é que a gente chama da pedagogia do exemplo. A disciplina já nasce e é praticada com essa perspectiva, ao mesmo tempo que se coloca questões teóricas, coloca-se questões dos movimentos sociais”.

Além de Eliete Paraguassu, o corpo docente é composto por profissionais de diversas áreas, tanto da UnB quanto de outras instituições.  

Claudia Pedrosa, professora do Departamento de Saúde Coletiva da FS/UnB e especialista em estudos de gênero e ruralidade também compõe o quadro de docentes da disciplina e trouxe em suas aulas um tema ainda pouco discutido no ambiente universitário. “A disciplina foi inovadora por trazer para dentro da academia um debate tão necessário com o movimento social, que é a questão da violência contra as mulheres do campo floresta e águas.  Tivemos a oportunidade de problematizarmos, por meio de estudos de caso e analisando  os dados da pesquisa que coordenei em 2011, com o pesquisador Alexandre Arbex, “Pesquisa Perfil socioeconômico e condições de vida das mulheres trabalhadoras do campo e da floresta”, como ainda está invisibilizada  essa questão em nossas práticas e estudos.

Segundo a professora, a discussão foi bastante qualificada e pode-se refletir, no campo da saúde coletiva, quais os caminhos e contribuições são possíveis de se implementar como sanitaristas implicados com a promoção dos direitos das mulheres.

Alana Maciel, Mestranda do Programa de Pós-Graduação de Meio Ambiente e desenvolvimento rural da Faculdade de Planaltina é uma das estudantes que está cursando a disciplina. Para ela, compreender as necessidades do seu sujeito de pesquisa e o contexto em que ele está inserido é essencial para o desenvolvimento de uma prática mais efetiva que ultrapasse o campo das teorias e transforme, de fato, realidades.

“Eu estou muito feliz com a oportunidade de estar cursando essa disciplina, de fazer parte dessa primeira turma já que, particularmente, eu me identifico muito com a temática, pois meu avó era ribeirinho, ele pescava para sobreviver e hoje na minha pesquisa eu me deparo com ribeirinhos e a gente costuma ter uma visão muito diferente da realidade dessas populações que, de modo geral, são sempre muito negligenciadas. São aspectos econômicos, sociais e ambientais únicos, singulares, que nós temos que compreender e eu vejo que essa disciplina está me abrindo as portas para tentar mudar um pouco dessa realidade”.

Alana ressalta o papel das políticas públicas para garantir que todos e todas tenham suas demandas atendidas considerando as particularidades de cada população. “A disciplina está me mostrando muitas coisas como, por exemplo, a diferença no acesso às políticas públicas e a necessidade de se desenvolver um olhar mais sensível para essas populações. Nós temos que escutar quem está na ponta, temos que fazer políticas públicas para eles, adequando à realidade e às especificidades deles”.

A estudante acredita que é extremamente importante, tanto do ponto de vista ético quanto metodológico, que os pesquisadores apresentem uma devolutiva para a população que forneceu dados para sua pesquisa. “Uma coisa que eu estou aprendendo muito na academia é que não basta ser um pesquisador, fazer artigos e trabalhos acadêmicos, é preciso ir além e realizar uma ação concreta para levar qualidade de vida àquela população que faz parte do meu objeto de estudo e isso inclui apresentar os resultados do meu trabalho à ela”. 

No encerramento da disciplina será realizada uma avaliação da Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo Floresta e das Águas durante a exposição de um painel que contará com a participação de representantes do Ministério da Saúde, movimentos sociais, Fiocruz e UnB. A atividade acontecerá nessa sexta-feira, 02/03, a partir das 13h, na Fiocruz/Brasília e é aberta a todos que se interessem pelo tema.

 

 
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Tempus

Tempus – Actas de Saúde Coletiva

ISSN 1982-8829

  • Use of therapeutic offices involving reading and dynamics as proposals for multiprofessional action in CAPS

    In view of the reformulation of the care model proposed by the psychiatric reform, the Psychosocial Care Centers (CAPS) were created through a multiprofessional team...

  • Editorial

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