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Brasil de Fato | Com décadas de atraso, GDF começa a repensar sua saúde mental

Resultado da luta e mobilização de diversos militantes, usuários, trabalhadores e gestores, residentes do Sistema Único de Saúde (SUS) e da saúde mental, se reuniram em maio para a primeira reunião do Grupo de Trabalho (GT) para a discussão ampliada e proposição de um Plano de Ação para a desmobilização dos leitos psiquiátricos em hospitais especializados no Distrito Federal (DF).

A despeito do nome genérico, fundamentalmente, o que está em jogo é o fechamento do Hospital São Vicente de Paulo (HSVP), o manicômio público e ilegal do DF.

Inaugurado em meados da década de 1970, o HSVP tornou-se oficialmente ilegal em 1999, quando completou-se quatro anos da Lei Distrital nº 975/1995, a qual fixou o prazo de quatro a partir de sua publicação para a extinção dos leitos psiquiátricos em hospitais e clínicas especializados no Distrito Federal, como é o caso do HSVP. Ou seja, o presente GT, a despeito de sua relevância, chega com um quarto de século de atraso.

Oficiada pelo Ministério Público para responder sobre esse descumprimento, a Secretaria de Saúde do DF (SES-DF) institucionalizou, então, o GT para formular um Plano de Ação. Sua composição é diversa: de diretores e representantes de secretarias e serviços da saúde mental a movimentos sociais, passando por servidores especialistas, militantes e, como não poderia deixar de ser, usuários da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) do DF.

Contudo, não há consenso sobre o fechamento, muito menos sobre a estratégia de desinstitucionalização a ser seguida. Esse é o desafio do grupo.

Importante destacar que a luta pelo fechamento do HSVP não é uma luta contra os profissionais que lá atuam, mas sim contra as práticas e a lógica que que rege o HSVP, as quais os próprios profissionais também são impactados negativamente, dado que o manicômio é um espaço de adoecimento e mortificação - e não de produção de cuidado ou de saúde. Antes da desumanização do paciente vem a desumanização do profissional.

E para onde vão os pacientes e os “internos” do HSVP?

Desde o fim da década de 1980, na esteira da Reforma Psiquiátrica, o Brasil vem construindo, não sem contradições e retrocessos, os chamados serviços substitutivos e uma atenção psicossocial. Trata-se de uma série de políticas e ações no campo da saúde mental, que visam cuidar de forma humanizada dos sujeitos em sofrimento psíquico. Como exemplos, temos, dentro da própria RAPS: os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs), o Programa de Volta para Casa (PVC), os Centros de Convivência, as Unidades de Acolhimento, os leitos e enfermarias em Hospitais Gerais, as equipes de consultório na rua, dentre outros.

Entretanto, o DF possui uma das piores coberturas psicossociais de todas as unidades federativas do país - como temos denunciado aqui na coluna.

Por exemplo, a média nacional de cobertura de CAPS é de, aproximadamente, 1.13 a cada 100.000 habitantes. No DF, se considerarmos os 18 CAPS habilitados, essa média cai para 0.62. Além disso, contamos com apenas uma Unidade de Acolhimento e, até o momento, nenhuma SRT - com o vislumbre de criação de pelo menos duas SRTs ainda neste ano, só que terceirizadas, sendo geridas por uma organização não-governamental.

Além do importante gesto simbólico e ético-político, fechar o HSVP é forçar a mudança de um paradigma asilar para um cuidado em liberdade que preza pela autonomia, cidadania e laços sociais dos sujeitos. Enquanto houver uma retaguarda manicomial, ela será, ao mesmo tempo, desculpa para práticas manicomiais e obstáculo para transformações necessárias.

Em termos práticos, o fechamento do HSVP pode resultar na liberação de recursos financeiros e humanos para serem reinvestidos nos serviços substitutivos da RAPS, fortalecendo-a. Por exemplo, o HSVP conta atualmente com cerca de 20 psiquiatras. Pensando numa redistribuição para os CAPS, podemos ter um psiquiatra para cada um dos 18 CAPS do DF.

E mais. “Residem” no HSVP cerca de 13 pessoas. Dentre essas, há aquelas sem nenhuma necessidade assistencial de saúde mental, mas que estão ali depositadas e manicomializadas por conta de abandono social e familiar. Seriam casos mais bem atendidos em suas necessidades pela rede de Assistência Social, isto é, pelo Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Contudo, estão há mais de ano no HSVP - algumas há mais de uma década -, pois, historicamente, os manicômios servem justamente como depósitos dos indesejáveis.

A discussão, certamente, é complexa, espinhosa.

É preciso incluir na discussão a assistência na atenção básica, o cuidado integral (incluindo promoção de saúde), protocolos para assistência a situações de crise, o matriciamento entre serviços e a intersetorialidade entre as diferentes políticas. Contudo, ela precisa começar em algum momento e já está por demais atrasada.

Em 18 de Maio, ironicamente no Dia da Luta Antimanicomial, o HSVP completou 48 anos. Para o bem da saúde mental de usuários, profissionais e do Distrito Federal como um todo, para além de não termos nada a comemorar, nosso desejo é que este seja o seu último aniversário.

Pelo fechamento do HSVP!

Pelo fim de todos os manicômios!

 

*Saúde Mental e Militância no Distrito Federal (SMM-DF) é um grupo vinculado ao Instituto de Psicologia da UnB, que visa potencializar a militância no campo da saúde mental.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

 
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Tempus – Actas de Saúde Coletiva

ISSN 1982-8829

  • Use of therapeutic offices involving reading and dynamics as proposals for multiprofessional action in CAPS

    In view of the reformulation of the care model proposed by the psychiatric reform, the Psychosocial Care Centers (CAPS) were created through a multiprofessional team...

  • Editorial

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